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E NUNCA MAIS ELA CORREU - um conto meu!

Sim, eu sei que sempre prometo cuidar melhor desse espaço, publicar mais coisas e a mesma ladainda de sempre.

Não é que falte tempo! O que falta é disciplina. E não só para este blog, mas para o monte de coisas (malhar por exemplo).

Então nem vou mais falar nada! Quando der eu apareço por aqui e coloco alguma. Beleza?!

E na postagem de hoje um conto que escrevi quase no final do passado, fazia tempo que não escrevia nada assim. Foi um exercício interessante.




E NUNCA MAIS ELA CORREU.


Ela nunca imaginou que a sua vida mudaria tanto depois que se inscreveu naquele grupo de corrida. Inicialmente era apenas uma forma de aliviar o estresse do trabalho e esquecer o canalha do ex-namorado que a trocou por uma piriguete de quinta categoria. Mas acabou se tornando uma paixão, uma obsessão, até mesmo uma maldição.


Em pouco tempo a corrida começou a tomar conta de sua rotina. Primeiro foram os encontros semanais no parque para os treinos e os exercícios educativos de corrida, junto às intermináveis conversas monotemáticas com os novos colegas. Mas ela se sentia incentivada, desafiada. Sentia que finalmente tinha encontrado algo a que se pudesse dedicar. Sentia-se realmente poderosa vencendo os quilômetros dia a dia e vendo seus quilinhos extras, sempre odiados, ficando pelo caminho.


E de repente, ela se deu conta de que a corrida também consumia uma boa fatia de seu salário. Eram provas, muitas provas, de todos os quilômetros que se pode imaginar. Tênis com tecnologia que ela mal entendia, mas acreditava que melhorava seu pace  (palavra nova que entrará para seu repertório, e era usada repetidamente), roupas de tecidos respiráveis (seja lá o que isso fosse), suplementos, gel de carboidratos e mais um monte de coisa que ela empurrava para seu cartão de crédito.


Nessa fase, a resposta mais comum aos convites de amigos que não eram da corrida era: não posso, amanhã tem longão bem cedo! 


Nada importava, a não ser a tal da corrida! Na corrida ela achava que se encontrava. 


Ou será que fugia?


No seu íntimo, na solidão do seu banho e da sua cama quentinha, às vezes ela permitia se perguntar se toda aquela euforia com a corrida era mesmo saudável, se era mesmo um bom hábito ou só uma forma de escapar de uma realidade que, no fundo, era muito frustrante. Ela mal não sabia que seus questionamentos iriam se vingar de forma cruel e inesperada. 


Seria no dia da prova que durante todo o ano ela mais havia esperado, a meia maratona do Rio de Janeiro, que tudo iria mudar. 


Acordou às 4:30 da madrugada, como sempre fazia antes das provas, ouviu sua amiga bater à porta do quarto do hotel dizendo para ela se apressar. Estava confiante, animada, determinada. Sabia que iria fazer o melhor tempo de sua vida! Afinal estava na Cidade Maravilhosa, pronta para a prova que mais desejava: nada podia dar errado. Encontrou os amigos de equipe, todos a incentivaram; conheciam sua vontade de correr nesta prova.  Tinham certeza de que ela conseguiria.


Seu olhar se perdeu no horizonte, onde o sol iniciava sua jornada, nuances douradas começavam a aparecer. A brisa suave da madrugada começava a dar lugar ao típico calor carioca, o firmamento exibia apenas algumas nuvens dispersas, e à sua esquerda, o mar, majestoso e harmonioso, um quadro que ela não queria nunca mais esquecer.


Lembrou-se do dia em que conheceu o grupo de corrida, fechou os olhos e agradeceu silenciosamente. Quando ouviu o sinal sonoro que dava início a prova, disparou. Agora era só ela, o circuito e seu relógio.


E cruzou finalmente o pórtico de chegada! Sem nem ao menos olhar para o relógio, ela sabia que era seu melhor tempo. Estava eufórica. Recebeu o abraço dos amigos, do treinador, de outros corredores que nunca tinha visto, era tudo perfeito. 


Era tudo como havia sonhado. 


Orgulhosa. Feliz. Vitoriosa. Ela pegou a sua medalha, que reluzia ao sol. Tirou fotos com os seus amigos, que sorriam com ela. Postou fotos no Instagram, fez dezenas de stories, respondeu a cada comentário e mensagem que recebeu, fez até dancinha para o Tik-Tok das amigas da equipe. Tinha a certeza de que aquele era o melhor dia de sua vida. 


Voltou para o hotel, tomou seu merecido banho, comeu alguma coisa e foi dormir. Sonhou com a corrida, com a medalha, com os amigos. Acordou com o despertador tocando, achou estranho, pensou que tinha esquecido de desativar o alarme do celular, mas instantes depois ela ouviu pancadas na porta dizendo para se apressar. Se deu conta que estava escuro, o relógio do celular marcava 4:30 da madrugada.


Assustada, se preparou para a prova. Chegou no local da largada, e viu os mesmos rostos, as mesmas cenas. Tudo exatamente igual. Será que tudo foi um sonho?  Recebeu os mesmos incentivos que havia recebido, mas sua cabeça estava muito confusa para retribuir. De repente o sinal sonoro 


Ela correu. Com a cabeça pesando uma tonelada e inundada de pensamentos, tentava entender o que estava acontecendo, se foi um sonho ou se estava enlouquecendo. Fim de prova e tudo continuava igual: medalha, fotos, dancinha.


Quis voltar logo para o hotel. Banho e cama! Tinha certeza de que de alguma forma aquilo começaria a fazer algum sentido quando descansasse. Desta vez garantiu que desativou o alarme do celular, fechou os olhos e adormeceu.


4:30 AM. 

Batida na porta. Ela não acreditava que estava acontecendo novamente. A confusão deu lugar ao medo, um medo de que nunca mais saísse daquele momento, daquela prova. Mais uma vez se vestiu, calçou seu tênis, pegou seu número de prova, passou protetor solar e labial. Dirigiu-se ao local de largada, mas não quis falar com ninguém. Só queria entender o porquê disso estar acontecendo.


Quando terminou de correr não quis foto e nem dancinha, só pegou a medalha porque sua amiga insistiu em colocá-la em seu pescoço. Voltou apressada para o hotel. Queria descobrir como sair desse filme de terror.


Sentada na cama, o olhar perdido, pensando em tudo que estava acontecendo, brigou com o cansaço e evitou dormir. Mas quando finalmente adormeceu novamente o celular despertou e em seguida ouviu as mesmas batidas na porta.


Dessa vez nem saiu da cama. Cobriu a cabeça com coberta, como se pudesse nem existir naquele momento. Estava realmente apavorada. Sentia o corpo inteiro tremer. Ela só queria fugir daquele dia.


Adormeceu.

4:30 AM.

Batidas na porta.


Sem mesmo saber a razão, se preparou e foi até o local da largada da prova. Tudo igual, mais uma vez. Não deu a mínima atenção para os amigos e as palavras que recebia, seu olhar estava vazio; sua mente um furacão. Os amigos estranharam sua postura e perguntaram se estava tudo bem. Lógico que não tiveram resposta. Quando ouviu o sinal sonoro, simplesmente deu meia volta e retornou ao seu quarto de hotel. Não tinha forças nem motivo para correr novamente. Sentia-se esgotada.


Sentada no chão, escorada na porta, tentava entender como havia ficado presa naquela prova. Justo aquela que mais desejava e que havia se tornado esse pesadelo sem fim.


Em algum momento daquela ruminação de pensamentos malucos ela se lembrou de quando questionava se realmente a corrida era tão importante e necessária.


Deixou-se dominar pelo cansaço e dormiu. Dormiu ali mesmo no chão, escorada à porta do quarto de hotel. Mas dessa vez ela acordou antes do celular despertar. Foi até a porta do quarto e com os olhos fechados amaldiçoou o dia que conheceu o grupo de corrida, mentalmente fez uma contagem regressiva e antes das pancadas a porta já estava aberta e ela postada de pé no batente.


  • Ué?! Não está pronta por quê?

  • Não vou correr!

  • Como assim "não vai correr"? Você veio aqui pra isso! É a prova dos seus sonhos.

  • Não vou correr! Eu detesto correr, na verdade, eu nem sei o que estou fazendo aqui.


A amiga lhe lança um olhar de incredulidade, resmunga alguma coisa, dá as costas e sai.


Ela volta para a cama com um misto de tensão e alívio, e logo adormece. Sentia seu coração pulsar em cada pedaço do corpo.


Dessa vez não escutou o despertador, não houve batidas na porta. Insegura ela se levanta e olha receosa pela janela, a vista do mar a acalma um pouco, o dia já tinha amanhecido. Observa desconfiada a mochila de viagem num canto do quarto junto ao tênis de corrida.


Pega sua mochila e segue para o saguão do hotel. No caminho encontra a amiga.



  • Achei que além de não correr, também iria querer ficar por aqui.



Ela sorri e segue com a amiga para o táxi que as leva até o aeroporto. 

Nunca mais ela correu.



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