"Ela tem cinco filhos. Netos que ama mais do que a si mesma. Bondosa, cuidou de todos – mais do que de si mesma. Nasceu no interior do interior, nas profundezas, na alma da Bahia.
Secretamente, chora de medo de morrer, mas sempre recebe a todos com extrema educação, preocupa-se em estar limpa e arrumada.
Cabelo quase prateado, guardado em tranças delicadamente tecidas pela filha. Elogio o trabalho, a filha sorri e me explica: na crença da comunidade de onde vêm, o cabelo trançado impede que a morte venha.
Câncer de pâncreas, doença ruim, muito ruim. Restam-lhe cuidados de conforto, agora, sempre e apenas, mas ela não quer falar sobre sua doença, esquiva-se do assunto. O medo a consome e sussurra uma pergunta para a qual não quer resposta: “Tenho o corpo fechado... E agora?”
Muitas semanas se passam, e o tempo todo ela pede: “Por caridade, meu Deus, me dê coragem.” Certa manhã, quando chego, ela sorri, agradece e me dá um beijo. Os olhos, duas pérolas baças cansadas do mundo. Com as mãos em prece, os dedos magros se entrelaçam nos meus. A voz brilha como nunca quando ela pede:
– Destrança meu cabelo."
Do livro: Histórias lindas de morrer, de Ana Cláudia Arantes Quintana
* imagem meramente ilustrativa retirada de banco de imagens
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