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COBRAS FUMANTES, ETERNA É SUA VITÓRIA, minha versão de uma história fantástica

Então...dia desses um amigo me mostro uma música chamada Smoking Snakes, da banda Sabaton que conta a história de 3 soldados brasileiros que lutaram contra os inimigos, durante a segunda guerra mundial, e após a morte deles foram enterrados.

Eu achei sensacional essa história, que é uma mescla de verdade e ficcção. Aí resolvi contar, a minha maneira, como foi essa batalha dos nossos pracinhas.

Lá no final do texto eu coloquei o vídeo da música (que é boa pácaramba)


COBRAS FUMANTES, ETERNA É SUA VITÓRIA


“É mais fácil uma cobra fumar do que o Brasil entrar na guerra", diziam. Mas, em 1942, não tivemos escolha. Submarinos alemães afundaram embarcações brasileiras na costa de Pernambuco e da Bahia. O Baependi foi atingido na costa de Sergipe, mais de 270 vidas foram perdidas. As águas calmas e cristalinas do litoral nordeste brasileiro agora estavam tingidas com os horrores de uma guerra ainda distante. 


Corpos mancharam nossas praias, e no amanhecer a população sentiu de perto as dores de um conflito que se pensava nunca chegar. Um país de luto e indignado, cobrando ações de seus governantes. A terrível decisão não podia mais ser adiada: “a cobra vai fumar!”. Nos juntamos aos Aliados contra a Alemanha, Itália e Japão.


Mais de 25 mil partiram. Jovens, mal saídos da adolescência. Corações acelerados. Para eles, a guerra seria o palco onde se testariam de verdade. Sonhavam com vitórias rápidas, medalhas e reconhecimento ao retornarem vitoriosos. Não viam perigo, somente glória e as garotas bonitas que viviam nas terras distantes. Quem sabe até mesmo um casamento. Marchavam com alma cheia de esperança, imaginando-se imortais. Confiantes no breve retorno para suas casas e suas famílias.  


Fomos enviados à Itália. O norte do país estava fortemente defendido pelas tropas alemãs, lá os Aliados precisavam de ajuda. As montanhas eram difíceis. O inverno, ainda pior. Tudo muito diferente da boa terra do coco. Nossa Força Expedicionária iria lutar em um terreno que não conheciam, contra um inimigo que nunca haviam visto. Nossa missão ali era ajudar a virar a maré, ao lado dos que já carregavam o peso de uma guerra que parecia não ter fim.


A euforia inicial foi completamente engolida pelo impacto do ambiente hostil. As bombas e tiros nunca cessavam, ecoando noite e dia, como uma triste canção distante. O cheiro da pólvora impregnava o ar, o frio das montanhas cortava a pele. A terra, outrora cheia de vida, agora era marcada por crateras e cinzas. Cada passo levava a um novo confronto, e a realidade da guerra começava a minar os antigos sonhos de antes da partida. Nos olhos, a esperança vacilava. A amargura começava a tomar lugar. Os dias pareciam intermináveis, arrastados pelo peso de cada disparo. As noites não traziam descanso, somente os ecos do combate que levava mais fundo à incerteza, transformando aqueles sonhos em sombras.


Naquele dia, a ordem chegou de cima. Três nomes escolhidos rapidamente entre os que estavam mais próximos da barraca do sargento naquela manhã. Não houve explicações detalhadas, nem era preciso. A missão era simples, mas imprecisa. O grupo deveria avançar a leste de onde estavam, mapear possíveis posições do inimigo e retornar. Sem fazer alarde, se possível, sem serem vistos. O sargento os observou, sem muita emoção, enquanto lhes entregava o mapa. Os três se olharam rapidamente, buscando algo mais nas expressões uns dos outros. Coragem, talvez. Só encontraram silêncio. Nenhuma missão é simples em uma guerra. 


Os três deixam a barraca e, poucos passos depois, param para olhar o mapa com mais atenção. Só havia desconforto entre eles. A missão deveria durar poucos dias, e havia urgência para a saída do acampamento. Precisavam se preparar. O paiol já estava avisado, as rações separadas. No caminho se cumprimentaram e descobriram os nomes dos companheiros de missão. Nem tentaram sorrir. O mapa nas mãos tremia levemente, talvez pelo frio, talvez por outra coisa. Afundaram as botas na terra fria a cada passo. O peito parecia explodir a cada pulsação. O medo não era dito, mas enchia cada vez mais o espaço entre eles. Não havia margem para bravatas. Havia o desconhecido, e no íntimo de cada um, a esperança de que talvez aquilo fosse rápido. Partiram no final da tarde daquele mesmo dia.


No meio do segundo dia, próximo ao almoço, eles avistaram um grupo inimigo. Estavam à distância de um bom disparo de fuzil, perto de um riacho. Dez, talvez doze deles. O som da água estava distante, as folhas se agitavam sobre suas cabeças pelo vento frio que soprava. A cena parecia quase pacífica, mas para os três, o terror dominava a cada respiração. Viam alguns homens deitados no chão, exaustos, outros mexiam em seus uniformes, remendando o que a guerra havia desgastado. A calma tensão entre eles parecia quebrada apenas pelo som da água. De longe parecia que também tinham medo. As mãos, segurando as armas, tremiam, não pelo frio. Os olhos atentos. Cada som, cada movimento parecia amplificado. Ali, naquela quietude, os sonhos de glória se desfaziam mais rápido que a fumaça da fogueira próxima a eles.


Os três ficaram ali, imóveis, observando à distância. O pensamento de recuar veio à mente de todos eles, mas ninguém falou. O medo os paralisava, e o dever os empurrava adiante. Os olhares se cruzaram por um momento, trocando uma decisão silenciosa. O ar parecia mais pesado. Sabiam que seria arriscado recuar. Se fossem descobertos antes de agir, estariam perdidos. A vegetação onde estavam era escassa, as árvores finas. A frente um campo estreito e totalmente desprotegido. Avançar os deixaria totalmente expostos.


Alguém ao se mexer, por mais cuidado que tivesse, fez uma pedra solta rolar. Alguns pássaros próximos levantaram voo com o barulho chamando a atenção do inimigo. Eles ergueram as cabeças, atentos. Um dos nossos disparou primeiro. Talvez por instinto, talvez por medo. Não havia mais como voltar atrás, a cena até então quase pacífica se transformou por completo. 


Os brasileiros sabiam que estavam em desvantagem numérica, e tentaram usar do terreno elevado, onde estavam, para obter uma posição favorável. Os tiros ricocheteavam nas árvores esparsas e rasgando o ar no descampado. Enquanto um dos inimigos tentava municiar seu fuzil, foi atingido fatalmente no peito. O soldado caiu pesado no chão, mas não houve tempo para respirar. O disparo ainda não havia sumido do ar quando outras balas cortaram o silêncio. Talvez tivessem desejado um momento para comemorar, mas a guerra não dava chance para as pequenas conquistas.


Ouviu-se um grito de dor. Era outro inimigo. Desta vez atingido na perna. Colegas correram em seu socorro para tirá-lo da linha de tiro. Explosão. Uma granada explodiu próximo aos alemães. Ao olhar rapidamente, pareceu que mais dois haviam saído de combate. Resistir não era apenas uma escolha; era a própria sobrevivência. Sabiam que o número dos inimigos estava diminuindo, mas a tensão os dominava. Buscando abrigo atrás de uma árvore, um soldado brasileiro foi atingido no ombro. A dor o fez soltar sua arma. Ao se virar para os colegas, mais dois disparos, desta vez no peito.


O momento se arrastou de forma sufocante. Gritos desesperados cortaram o ar, como se pudessem trazê-lo de volta. O silêncio encheu o ar, arrastando se de maneira insuportável. O soldado caído, agora imóvel, parecia ter encontrado paz involuntária, enquanto a violência continuava viva ao redor. Os outros dois sabiam que não podiam parar, não podiam lamentar. O tempo era impiedoso, e a morte já havia se tornado uma companhia constante. O som de cada bala era um lembrete da fragilidade de tudo. Seus olhares se cruzaram uma última vez antes de serem forçados a avançar. Estavam lutando uma batalha perdida, mas o que mais poderiam fazer?


Enquanto tentava se proteger, um disparo seco atingiu outro soldado brasileiro, e o tiro foi fatal. Olhou o ferimento, incrédulo, como se esperasse acordar de um pesadelo interminável. Tombou devagar, seus olhos fixos no céu cinzento, buscando algo que já não poderia mais alcançar. Seu corpo encontrou a terra, onde ficou imóvel, tornando-se parte da paisagem devastada pela guerra.


Nosso último soldado, ao ver o companheiro cair, hesitou por um segundo. Só um segundo. Mas foi suficiente. Um tiro certeiro atravessou o ar e o atingiu nas costas. Ele caiu de joelhos, o fôlego escapando lentamente, como se o peso da guerra estivesse finalmente lhe tomando a vida. Sentiu o chão gelado contra o rosto. Não havia mais tiros, apenas o silêncio que veio depois.


A batalha havia acabado. O silêncio, antes cortante, agora era um fardo sobre os ombros de todos. Do lado inimigo, homens estavam sentados, ofegantes, com o desgaste estampado em cada rosto. As mãos trêmulas limpavam o suor, os olhares vazios. Haviam vencido, mas a vitória não trazia alívio, apenas mais exaustão. Um deles, o mais velho, levantou-se e observou os corpos. Não havia glória ali, apenas a brutalidade da guerra. "Vamos enterrá-los, depois cuidamos dos nossos", disse com uma voz rouca e baixa.


A decisão de enterrar os inimigos não foi discutida. Mesmo no caos, a humanidade ainda resistia. Procuraram pedaços de madeira para marcar as sepulturas. Os movimentos eram lentos, como se cada gesto fosse um esforço insuportável. Quando finalmente as cruzes estavam prontas, o mesmo soldado apareceu com uma tampa de madeira, provavelmente tirada dos suprimentos alemães, escrita em seu idioma: Aqui jazem três heróis brasileiros.


Os corpos foram cobertos com cuidado, as cruzes, colocadas com reverência e as dog-tags foram penduradas sobre cada uma. O silêncio voltou, mas desta vez em tom de solene respeito. A guerra seguiria, mas, ali, por um breve momento, havia honra entre inimigos. Os soldados sobreviventes bateram suas continências, deram meia volta e seguiram seu caminho.


Tempos depois, um pelotão brasileiro se deslocava em marcha, lentamente, sentindo o peso de todos os combates vividos. Depois de horas de avanço, avistaram três cruzes. Solitárias, mal fixadas no chão. Um dos soldados se aproximou para ver. Chamou os outros com um gesto. Os nomes estavam lá, as dog-tags penduradas. A inscrição, em alemão, foi lida com dificuldade: "Hier liegen drei brasilianische Helden."

Os soldados pararam. Não disseram nada. O peso da descoberta era maior que qualquer palavra. Alguns tiraram as boinas, outros ficaram imóveis de cabeça baixa. Todos em profunda reverência. Alguém anotou os nomes e a localização. Depois, levantaram-se, bateram continência e seguiram.

A história das três cruzes, marcadas por uma inscrição em alemão, logo se tornaria uma lenda entre os soldados brasileiros. Nos acampamentos, em cada noite fria de patrulha, ela era contada como uma verdade indiscutível, ainda que envolta nas sombras da incerteza. Os nomes daqueles heróis talvez jamais fossem lembrados, e com o tempo, muitos questionariam a veracidade da história. 

Anos mais tarde, no Rio de Janeiro, erguia-se o monumento em homenagem à Força Expedicionária Brasileira. Três figuras de soldados, lado a lado, guardavam a memória daqueles que lutaram em terras distantes. Para muitos, o monumento era uma tentativa de materialização da coragem de nossos soldados. Mas para os que conheciam a lenda das três cruzes, parecia mais um eco silencioso do passado. O destino esculpiu em pedra a reverência devida àqueles três heróis.

Para nossos Pracinhas, heróis brasileiros da Segunda Guerra, o monumento é o que resta. Uma lembrança simples de algo maior que eles. O sacrifício deles não precisa de lenda, ele vive em pedra e nos olhos de quem ainda se lembra. Mesmo que as histórias mudem com o tempo, o que eles fizeram permanece. Isso basta.

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